A MATEMÁTICA GREGA E O ENSINO ATUAL DA MATEMÁTICA
Gérard Emile Grimberg, IM-UFRJ.
e-mail:
gerard.emile@terra.com.brResumo:
matemática grega na formação do professor de ensino médio. Este papel não diz
respeito apenas à formação da disciplina, mas também ao entendimento do contexto
histórico que acompanha a evolução da matemática. Assim nosso trabalho divide-se em
três partes. 1) O contexto histórico em que se desenvolveu a matemática grega, 2) Os
Elementos de Euclides e seu modo de exposição e de transmissão, e 3) o interesse para
o ensino atual.
o nosso trabalho visa enfatizar o papel que pode desempenhar o estudo daPalavras chaves:
matemática, historia da matemática.
matemática grega, Euclides, ensino da matemática, filosofia daIntrodução:
Pretendemos ressaltar neste pequeno trabalho a importância do estudo da
matemática grega para a formação dos professores do ensino médio. Esta perspectiva
pode parecer paradoxal na medida em que a matemática que se ensina hoje conservou
poucas coisas do modo de exposição e da perspectiva dos
Elementos de Euclides ou daColeção matemática
da geometria sintética. A axiomática da geometria euclidiana infelizmente não aparece
mais como um conteúdo a ser transmitido no quadro do ensino médio. Quanto ao
conceito atual de número (que pensa os números como sucessivas extensões construídas
a partir de N seguindo a cadeia N
aritmética (domínio dos números inteiros positivos) e a geometria (domínio das
grandezas e das razões de grandezas) que acompanhou todo o desenvolvimento e o
ensino da matemática até o século XIX.
Enquanto a matemática grega, apesar da separação entre aritmética e geometria,
aparecia como uma construção coerente e unívoca, e assim, se manteve até o século 17
no ensino da matemática, o ensino da matemática do ensino médio atual parece em
compensação apresentar uma coleção de elementos disparates, e de métodos que se
apresentam nos manuais como um catálogo de técnicas destinadas a resolver problemas
chamados “concretos” por serem enunciados com as palavras da linguagem quotidiana.
Deste ponto de vista o ensino atual sofre de uma carência essencial, a de não apresentar
a unidade da matemática, isto é, uma perspectiva que possibilita a compreensão das
diversas conexões que interligam os diferentes conteúdos ensinados (geometria, álgebra
e análise) além do que constitui a sua especificidade em relação aos outros domínios do
saber, isto é, construção de formas de pensamento que permitem a compreensão das
leis da natureza.
Não pretendemos propor uma via que possa resolver todos estes problemas, mas
pensamos que o conhecimento da herança da matemática grega ajudaria o professor a
conceber suas aulas de geometria tendo em vista esta perspectiva e tentaremos dar
alguns elementos que possibilitem a elaboração de um encaminhamento nesta direção.
Queremos enfatizar a construção desta visão unitária através de três aspectos: 1)
O contexto histórico em que se desenvolveu a matemática grega, 2) Os Elementos de
Euclides e seu modo de exposição e de transmissão e 3) o interesse para o ensino atual.
de Pappus. Hoje a geometria analítica é preferido em detrimento⊂ Z ⊂ D ⊂ Q ⊂ R ), ele veio apagar a separação entre1) O Contexto Histórico
O começo da matemática grega é diretamente ligado a formação das cidades
gregas (Jônia, e Magna Grécia, um pouco depois Atenas) e dos primeiros escritos que
tentam explicar sua Natureza. Os estudos de J.P. Vernant e P. Vidal-Naquet [1975] tem
analisado como o discurso cosmológico (Tales, Anaximandro, Anaximènes) inaugura
um novo tipo de questionamento em relação a natureza, buscando descobrir nela os
elementos materiais e as forças que a determinam. Este fenômeno é ligado ao
nascimento da cidade grega, nova organização geográfica assim como política com leis
escritas e cidadãos (os homens livres) que decidem o destino da cidade. Esta capacidade
do homem grego de ter o domínio sobre as coisas da sociedade é o motor da nova visão
do mundo. Com os pensadores da Grécia Magna continua-se o questionamento Jônico.
Pitágoras introduz a matemática como o fator que explica e representa a Natureza (“toda
coisa é número”). O poema
mostrado (Grimberg [2007]) o tratado do discurso verdadeiro, com os princípios que
governam a lógica formal (princípios de identidade, de contradição e do terceiro
excluído). Este tipo de questionamento não se aplica mais diretamente a natureza mas
enuncia as regras que permite ao próprio pensamento de poder explicar a natureza. Já no
poema constam exemplos de demonstração pelo absurdo. Zenão desenvolverá este tipo
de demonstração através dos seus famosos paradoxos (Caveing [2000]).
Esta nova problemática é também relacionada à evolução das cidades gregas. As
leis da cidade devem ser lógicas. O advogado de uma causa precisa convencer os juizes
de que o seu cliente respeitou as leis mediante uma argumentação demonstrativa. O
início da elaboração do discurso demonstrativo na matemática pode ser situado entre
Parmênides e Platão, pois na
geometria e de aritmética,
Sobre a Natureza de Parmênides constitui como o temosRepublica, 510b, ele escreve que os que tratam de“supõem o par e o ímpar, as figuras, três espécies de ângulos e outras coisas semelhantes conforme a sua
pesquisa, que as tratam enquanto coisas conhecidas, enquanto hipóteses, estimando que eles não tem
mais que justificar nem para si nem para os outros, visto que são evidentes para todos, e partindo destas,
percorrendo o resto, eles chegam por via de conseqüência até a demonstração que eles tencionavam
encontrar”.
Este processo acompanha também o discurso filosófico. Platão elabora uma teoria,
que visa definir não apenas as boas definição, e o que caracteriza o saber (
também, a questão de um discurso verdadeiro que elimina toda possibilidade de
contradição (
discurso (Sofista) etc. Para Platão a matemática é muitas vezes fonte de comparação e
de inspiração de sua reflexão. Aristóteles não acredita que a matemática pode ser a
ferramenta para descrever a Natureza, mas ele utiliza no
matemáticos. Devemos a ele a primeira exposição (por certo muito alusiva) da primeira
demonstração matemática pelo absurdo (irracionalidade da Raiz de 2) que ele menciona
como exemplo nos
na sua Metafísica é diretamente inspirada da igualdade das razões (Vuillemin [1967] e
Szabo [1969] p. 162 e sqq.). Este exemplo é significativo, pois a palavra “razão” é a
tradução do grego
em razão.
Este contexto histórico dentro do qual se constituiu a matemática grega
desempenha um papel muito importante para o ensino, pois mostra como no começo a
matemática insere-se dentro do processo social, político e ideológico. Para Platão, o
cidadão esclarecido deve conhecer a matemática e o que mostra os textos deste filósofo
através dos exemplos matemáticos que ele cita, e que de fato elementos do saber
matemático faziam parte do saber comum de todo cidadão grego.
Teeteto), masParmênides), assim como a questão das categorias que permitem talOrganon vários exemplosSegundos Analíticos. A concepção da analogia que Aristóteles expõelogos, e a palavra “analogia” significa literalmente an logos ou igual2) Os Elementos de Euclides:
O interesse dos
fundamentalmente em dois aspectos a) a arquitetura da obra e o modo de exposição b)
O próprio conteúdo e os teoremas demonstrados.
a) A arquitetura dos Elementos revela a divisão da matemática em dois domínios
distintos que foram completamente superados apenas no século XIX. A geometria
(grandezas e medidas) e a aritmética (ordem e números) constituem duas disciplinas
separadas, cada uma com a sua própria axiomática, e com seus próprios métodos. Mas
em ambas as esferas, a exposição das propriedades e das demonstrações seguem um
estilo já evidenciado por Proclus no seu
historiadores (cf Szabo [2000] p. 241 e sqq, Gardies [1997], pp. 88 e sqq). As seis
etapas da exposição (enunciado, exposição, diorismo, construção, demonstração,
conclusão) constituem ainda um modelo para expor hoje qualquer teorema de geometria.
Gardies também tem mostrado o quanto a lógica proposicional implícita que consta nas
demonstrações de Euclides é imprescindível para entender a estrutura das
demonstrações (Gardies [1997], pp. 51-75) .
Uma outra qualidade do modo de exposição lógico-dedutivo dos
que constam em cada demonstração as propriedades utilizadas. Ler e estudar estas
demonstrações possibilita aprender as formas retóricas que ritmam e governam a
redação de um texto matemático.
Encontram-se também os três tipos de demonstrações essenciais: a demonstração
direta, a
pode assim ser um verdadeiro campo de treinamento para o futuro professor.
b) O segundo aspecto é o próprio conteúdo dos
Bongiovanni [2007], o estudo histórico do chamado teorema de Tales permite
implementar e estruturar uma aula sobre este assunto. Ora a quase totalidade dos
teoremas de geometria ensinados no ensino médio como o teorema de Pitágoras, da
bissetriz interna e externa assim como os cálculos de áreas constam na obra de Euclides.
Iniciar um estudo destes teoremas pelas demonstrações que se encontra nos
uma etapa necessária mesmo que o modo de exposição destes teoremas seja marcado
historicamente.
O livro V, onde é exposta a teoria das razões das grandezas, oferece algumas
técnicas de demonstrações que são aquelas que empregamos nas aproximações dos
números reais e na compreensão do conceito mesmo de irracional. Podemos também
mencionar o Livro X para a caracterização de grandezas incomensuráveis e os métodos
infinitesimais (Itard [1984], p. 89-96 e 139-142).
No que diz respeito à aritmética, encontramos a razão pela qual a divisão de
números inteiros é chamada Euclidiana e a maior parte das propriedades (números
primos, fatoração, infinidade dos números primos) cujas demonstrações no ensino
básico são inspiradas também de Euclides.
Elementos de Euclides para a formação do professor resideComentário e tem sido analisados por váriosElementos ereductio ad absurdum, e o raciocínio por contraposta. O estudo de EuclidesElementos. Assim como o mostraElementos é3) O interesse para o ensino atual
Queremos enfatizar alguns enfoques que, a nosso ver, deveria nortear a
formação do futuro professor do ensino médio.
Os parâmetros curriculares são elaborados tendo em vista os conceitos modernos
da matemática (números, vetores, transformações, etc.), mas o que fornece uma
significação a estes conceitos é a própria história da matemática. Os textos da
matemática passada permitem questionar esses conceitos e entender a sua necessidade.
O problema do ensino atual da geometria no ensino médio é que os axiomas não
são mais explícitos e, neste quadro fica difícil ensinar as técnicas de demonstrações. O
estudo de textos como os
facilita a compreensão das etapas de uma demonstração na medida em que os prérequisitos
são explícitos.
O estudo dos textos históricos permite também estudar várias demonstrações de
uma propriedade e a diversidade das soluções de um problema é importante para
entender as relações que existem entre diferentes conceitos. Por exemplo, os casos de
congruência dos triângulos remetem às propriedades das isometrias do plano e
conseguir relacionar uma demonstração utilizando um caso de congruência com uma
outra que emprega isometrias fornece uma compreensão mais profunda dos conceitos.
Sabemos que a aritmética e a geometria eram completamente separadas mas todavia
Euclides como Pappus e os outros matemáticos ensinava cada uma dessas disciplinas
tendo em vista a coerência profunda que elas possuíam. A perda de vista desta
perspectiva foi provavelmente causada pela reação à introdução da matemática chamada
moderna no ensino e aos exageros que o formalismo acarretou. Mas para ensinar neste
contexto onde as noções a serem ensinadas não aparecem como fazendo parte de uma
construção, o professor do ensino médio deve conseguir esta perspectiva de unidade das
teorias matemáticas e esta só se assimila olhando para a história.
O professor do ensino médio não é apenas professor de matemática. Ele ensina
também a língua: a redação das definições, das propriedades e das soluções constitui
uma parte importante do seu trabalho. O estudo de textos antigos representa deste ponto
de visto um enriquecimento.
O interesse da matemática grega ultrapassa o conteúdo matemático. Assim que
nos o ressaltamos na primeira parte, a matemática faz parte de um contexto e se
relaciona aos outros domínios da vida social e política e aos outros saberes. Este
conteúdo cultural é também uma dos objetivos do ensino.
Muitas vezes a criança pergunta : “Mas para que serve a matemática ?” Esta
pergunta deve ser entendida como “Mas por que tenho de estudar a matemática? “, já
que sem duvida o aluno sabe que para a tecnologia, para a computação a matemática é
sem dúvida muito eficiente... A resposta mais adequada é talvez a de Platão que
considerava a matemática como uma propedêutica, uma aprendizagem do pensamento...
Elementos ou os problemas da Coleção matemática de PappusBIBLIOGRAFIA
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o numérico”,
UFSC: 2007.
Caveing [2002],
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reconstitution.
Gardies Jean-Louis [1997],
Archimède
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REVEMAT - Revista Eletrônica de Educação Matemática. V2.5, p. 94-106,Zenão et le continu, Vrin 2002.L´héritage épistémologique d´Eudoxe de Cnide, un essai deVrin Paris.L´organisation des matematiques grecques de Théétète à, Vrin Paris.Anais de filosofia clássica, Vol. 1 nº 1,Itard Jean [1952],
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